O grupo CESL Asia – fundado em Macau em 1987 – possui fortes pergaminhos locais nas áreas da engenharia ambiental e sustentabilidade. Em 2019, adquiriu o Monte do Pasto, em Portugal, onde tem vindo a aliar inovação e tecnologia, as suas áreas de especialidade, à produção agro-pecuária, para gerar valor acrescentado. Agora, a empresa está apostada na criação de um fundo de investimento para apoiar projectos similares, em articulação com o universo da lusofonia. Nas palavras do presidente e director-executivo da CESL Asia, António Trindade, este tipo de iniciativa ajuda a aprofundar o papel de plataforma sino-lusófona de Macau.
Como surgiu a visão e o projecto para a herdade agrícola do Monte do Pasto, em Portugal?
A CESL Asia é uma empresa que incorpora conhecimento e experiência para produzir valor, com perspectivas de impacto económico e social. Fazemo-lo porque acreditamos que este é um modelo altamente vantajoso. Em Macau, começámos no campo da engenharia do ambiente. A dada altura, estivemos envolvidos num grupo de avaliação de um plano-piloto na província de Guangdong ligado à promoção do conceito “farm-to-table” e, nesse âmbito, tive a oportunidade de voltar à zona do Oeste em Portugal, uma região altamente agrícola, onde tinha estado no início da minha carreira profissional, na década de 1980. A diferença era enorme, com uma agricultura apoiada agora em alta tecnologia. Começou a ser óbvio que esta era uma área onde nós podíamos aportar experiência porque vínhamos de projectos pioneiros no sector do ambiente em Macau. Então pensámos que, eventualmente, era uma excelente oportunidade para, enquanto empresa de Macau, nos dedicarmos à agricultura de ponta.
Quando surgiu a possibilidade de aquisição do Monte do Pasto, já tínhamos esta ideia a amadurecer há dois ou três anos, nomeadamente sobre qual poderia ser o nosso papel de criação de valor, começando por criação de valor local. O nosso princípio é que nós trabalhamos não só para a riqueza dos accionistas, mas para a mais-valia dos accionistas, dos funcionários, da comunidade local, dos nossos clientes e dos nossos parceiros.
A CESL Asia também procurou – e faz parte do desenvolvimento do negócio do Monte do Pasto – a montagem de novas vias financeiras para desenvolver os processos de “farm-to-table” e aumentar a produtividade. No Alentejo, é notável o que fizemos: era um terreno com deficiências e hoje estão lá 1000 hectares de terreno irrigado para colheitas de alto valor. Temos uma exploração pecuária de grandes dimensões, parte dela certificada como de baixo carbono. Temos vindo a desenvolver várias acções reconhecidamente de valor, que têm ganho certificação da União Europeia enquanto projectos inovadores. Estamos a desenvolver soluções modernas ligadas ao chamado “AgroPV”, para a dupla utilização da terra para fins agrícolas e de produção de energia, utilizando tecnologia solar proveniente da China. São projectos-piloto, mas a nossa intenção é apostar nesta área, trabalhando em iniciativas que asseguram a produção de alimentos e de energia, dois dos grandes desafios da humanidade.
A CESL Asia está agora numa fase de captação de terceiros para operar segmentos do Monte do Pasto, através de contratos de locação.
De forma simplificada, é isso, mas é mais do que isso. O nosso papel é mais complexo. O projecto do Monte do Pasto é altamente especializado. Porque usamos parceiros? Porque são altamente especializados em áreas particulares, complexas. O que fizemos no Monte do Pasto foi, numa primeira fase, assegurar a operação da actividade económica que já lá estava. Começámos então a reestruturar, implementando uma metodologia de gestão de activos, com o objectivo de conseguir o “highest and best use” dos activos do Monte do Pasto. Como consequência, por exemplo, completámos no ano passado um MBO (Management Buy Out) do negócio de pecuária intensiva, que ficou assim independente. Ainda assim, retivemos para nosso desenvolvimento a actividade pecuária de baixo carbono em terrenos de sequeiro. O nosso papel passa por trabalhar soluções para que especialistas em áreas específicas se juntem depois a nós na sua implementação.
No fundo, no Monte do Pasto, a CESL Asia funciona como um agregador, trabalhando com parceiros para operacionalizar a sua visão?
O Monte do Pasto é um projecto tipicamente de plataforma. “Plataforma” não significa que fazemos tudo, mas sim que estamos a produzir valor através da agregação de recursos e valências de diferentes proveniências. O conceito de plataforma também é isto: pensar como podemos conseguir trazer tecnologia, financiamento e cultura empresarial de diferentes origens e juntar tudo para arranjar uma maneira de fazer melhor, constantemente.
Em Portugal, há poucos projectos como o Monte do Pasto. Por isso, estamos também a atrair bastante interesse por parte de entidades do Interior da China: ainda recentemente foram visitar o Monte do Pasto representantes da Shanghai Modern Agriculture Investment and Development Group, entidade ligada às autoridades de Xangai, onde se pretende implementar uma iniciativa similar.
Usamos o conhecimento e a experiência para projectar o futuro e fazê-lo acontecer. Por exemplo, recorremos a imagens de satélite e captadas por drone, que são depois processadas por inteligência artificial para realizar uma agricultura de precisão. Estamos a ser verdadeiramente pioneiros e a trabalhar em soluções que nos podem beneficiar, mas não só a nós. Aliás, desde que estamos no Monte do Pasto, compramos cerca de 15 milhões de euros anualmente em produtos aos agricultores ao nosso redor. Tudo isto produz economia e desenvolvimento.
O projecto é continuar a desenvolver aquilo que existe, o que vai para lá de apenas fazer valorizar o preço do terreno – o que já aconteceu, mas isso é uma visão do século passado. O foco é desenvolver e gerar valor numa infra-estrutura agrícola para produzir segurança alimentar e energética, através do melhor uso e com o mais alto desempenho dos terrenos.
Como surge o plano para um fundo destinado a projectos agrícolas avançados nos Países de Língua Portuguesa?
A agricultura, como as coisas que normalmente fazemos, é uma actividade intensiva em termos de capital. A CESL Asia não é uma empresa financeira, mas a criação de um fundo era uma hipótese para aportar mais capital para desenvolver este tipo de visão. Estando Macau apostado em constituir-se como uma plataforma entre a China e os Países de Língua Portuguesa, faz sentido desenvolver este tipo de fundo localmente.
Incentivados por algumas pessoas e entidades do Governo de Macau, começámos a pensar em nos comprometer publicamente com este plano. No entanto, é um grande desafio, até porque não há nada do género a nível local. Isto não envolve só criar o fundo: é preciso desenvolver toda a infra-estrutura legal e operacional.
Um fundo em Macau, para funcionar, tem de oferecer algo que seja único – e isso é o papel de plataforma da cidade. O que nos propomos a fazer é pegar no conceito de plataforma de Macau para o desenvolver. A CESL Asia sente-se obrigada a isso, porque temos a reputação e as relações no Interior da China, em Portugal e em Hong Kong que permitem fazê-lo, até com base no nosso investimento em Portugal. Não é fácil, mas estamos a começar: este é um projecto piloto, que estamos a tentar implementar com o mesmo espírito empreendedor que adoptámos para o Monte do Pasto.
A ideia é buscar uma maior eficiência a diversos níveis, do processo financeiro à gestão do risco – e é aí que Macau, enquanto plataforma, pode trazer mais-valia, pelo seu conhecimento especializado e relações únicas, estabelecendo capacidades e uma infra-estrutura capaz de gerar valor. Nesse âmbito, o fundo posiciona-se para lá de uma mera ferramenta de angariação de capital, até porque isso seria potencialmente mais barato de fazer nos mercados financeiros europeus. Trata-se de promover uma visão através do fundo: estamos abertos a quem queira partilhar dela e participar.
O fundo é uma forma de ampliar o conceito de plataforma entre a China e os Países de Língua Portuguesa?
O potencial da plataforma de Macau necessita de ser materializado através de projectos concretos. Para isso, é necessário que a infra-estrutura de apoio seja criada. É aqui que entra a parte do fundo e dos veículos de investimento. Não é só angariar capital: é angariar capital, aplicá-lo através de entidades com credibilidade para o fazer e gerar retornos mediante investimentos produtivos e mutuamente benéficos, e não meramente especulativos.
Outro projecto concreto que defendemos prende-se com a exploração do potencial de Portugal como um centro logístico e como base para desenvolver uma nova plataforma para as empresas de Macau e da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau acederem aos mercados dos Países de Língua Portuguesa e também da Europa. Aqui, o aeroporto de Beja e o porto de Sines podem desempenhar papéis de grande importância.
Essa nova infra-estrutura logística é essencial para Macau afirmar o seu papel enquanto plataforma sino-lusófona?
Para desenvolvê-lo. Pensamos que há aqui grande potencial. A economia da Grande Baía e do Interior da China beneficiariam com esta infra-estrutura logística. Estamos, novamente, a falar de acrescentar valor às economias de ambos os lados, estabelecendo uma nova plataforma logística internacional, que é diferente daquelas que já existem hoje – aliás, é isso também, em parte, a ideia da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”.
Não há ninguém que possa ser mais eficiente do que Macau, que possa produzir mais valor através de uma nova infra-estrutura que funcione, por exemplo, entre as economias da Grande Baía ou do Interior da China e o Brasil, passando por Portugal. Na minha perspectiva racional, o papel de plataforma de Macau deve ser entendido como produção de valor, não só através de trocas comerciais, mas também de iniciativas industriais, que gerem mais-valia para todos os lados envolvidos. As coisas podem funcionar como têm funcionado até agora, mas é muito melhor se houver uma plataforma entre Portugal e Macau e o Interior da China para países terceiros, nomeadamente de língua portuguesa. É óbvio. Macau tem uma grande oportunidade aqui.
Nesse contexto, que papel pode desempenhar o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa?
Em Janeiro, participei no “Seminário sobre a Promoção de uma Cooperação Abrangente e Mutuamente Benéfica com os Países de Língua Portuguesa”, organizado pelo Fórum de Macau, onde partilhei as nossas opiniões sobre o assunto. Sendo nós uma empresa local, o nosso percurso nos mercados de Portugal e do Interior da China tem-nos ajudado a identificar desafios que podem limitar o potencial de Macau enquanto plataforma. Por exemplo, uma empresa de Macau que invista em projectos industriais no universo da lusofonia e depois procure exportar os seus produtos para o Interior da China deveria ter um tratamento diferenciado, a diversos níveis, em comparação com aquele dado a empresas estrangeiras.
Nós já identificámos aquilo que consideramos que deve ser feito para promover o papel de plataforma de Macau: uma das primeiras coisas prende-se com a captação de investimento produtivo. Portanto, temos é que encontrar uma maneira eficaz de o fazer. O Secretariado Permanente do Fórum de Macau pode ter um papel de relevo a desempenhar aqui, estando agora ligado ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau; além disso, está também relacionado com o Ministério do Comércio da República Popular da China, cuja estratégia tem estado a evoluir, até devido às tensões geopolíticas globais. Tudo isto indica uma oportunidade para Macau, certamente – e podemos tirar partido disso –, mas os maiores beneficiários serão até outras comunidades industriais e económicas, nomeadamente da Grande Baía, de Portugal, do Brasil ou de África.


