O Embaixador de Timor-Leste em Pequim considera que a China tem sido crucial no apoio ao desenvolvimento do país, particularmente na área das infra-estruturas. Sobre o Fórum de Macau, Loro Horta salienta que tem facilitado o investimento na nação insular.
Como caracteriza as relações actuais entre Timor-Leste e a China?
A situação actual das relações entre Timor-Leste e a China é bastante boa e dinâmica. Nos últimos dois anos, assinalámos vários marcos históricos. Entre eles, a primeira visita de um Chefe de Estado de Timor-Leste à China, em Julho do ano passado, com o Presidente José Ramos-Horta a deslocar-se ao país com a maior delegação que alguma vez Timor-Leste enviou para uma visita oficial. Mais de 100 pessoas e quatro ministros acompanharam o Presidente, assim como o Chefe das Forças Armadas.
O número de estudantes [timorenses na China] aumentou também significativamente. Além disso, começou um voo directo, em Fevereiro, entre a cidade de Xiamen, no sul da China, e Timor-Leste [ler mais na página 48]. É o primeiro voo directo entre os dois Estados. Por outro lado, em Março, teve lugar o primeiro transporte marítimo a ligar os dois países, ou seja, pela primeira vez um barco chinês descarregou vários tipos de mercadoria em Timor-Leste, directamente. Antes, os barcos, os produtos chineses, chegavam via Indonésia ou por Singapura.
Estamos à espera, em Abril, da visita do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão à China, à província de Hunan.
Timor-Leste e a China elevaram, em Setembro de 2023, as relações bilaterais para uma parceria estratégica abrangente. Quais são os sectores com maior potencial para alavancar este relacionamento?
Em Setembro de 2023, durante um encontro entre o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão e o Presidente chinês Xi Jinping, a relação entre Timor-Leste e a China foi elevada a parceria estratégica abrangente, categoria que a China normalmente atribui a países que considera importantes do ponto de vista político, diplomático e também económico. Ou seja, trata-se de um país que a China considera prioritário.
No contexto deste crescendo de relações entre as duas nações, uma das prioridades de Timor-Leste, para a qual foi pedido apoio à China durante a visita do Presidente Ramos-Horta no ano passado, foi a área da agricultura – mas um apoio compreensivo.
Nos últimos 23 anos de independência, alcançámos coisas impressionantes em Timor-Leste: por exemplo, erradicámos a malária, a pólio e o tétano. Desenvolveu-se muito a infra-estrutura do país e, actualmente, temos um médico por cada 1.200 habitantes. Esse é o melhor nível no Sudeste Asiático, à excepção de Singapura.
Temos vários motivos para estar orgulhosos daquilo que alcançámos nos últimos anos. No entanto, a má nutrição infantil continua a ser um grande problema, bem como a grande dependência [da economia] em relação ao petróleo e ao gás natural. Por isso, o sector agrícola precisa de se desenvolver. Tem sido negligenciado nos últimos tempos devido à dependência do petróleo. O pedido que o Presidente Ramos-Horta fez ao Presidente Xi Jinping relacionou-se com isso: se a China foi capaz, nos últimos 40 anos, de providenciar alimentação para os seus 1,4 mil milhões de habitantes, não deve haver razão para que Timor-Leste não possa dar de comer a 1,4 milhões de habitantes. Com a ajuda da China, penso que isso é possível.
O pedido foi para um plano compreensivo, estratégico; não é só para melhorar a produção de certos produtos agrícolas, como o arroz e os vegetais, mas também para melhorar sistemas de irrigação, de armazenamento, de escoamento, etc., para fazer com que Timor-Leste consiga garantir a sua segurança alimentar. Porque, lamentavelmente, Timor-Leste ainda continua a enfrentar sérios problemas de má nutrição e, sobretudo, má nutrição infantil.
A área do turismo é outra prioridade de desenvolvimento, em relação à qual também esperamos poder contar com o apoio da China, assim como na área das infra-estruturas. Há a expectativa que Timor-Leste possa entrar para a Associação das Nações do Sudeste Asiático ainda este ano e vamos precisar urgentemente de infra-estruturas como um novo aeroporto ou um novo centro de conferências.
Várias empresas chinesas já ganharam, no total, mais de 1,5 mil milhões de dólares americanos em contratos em Timor-Leste. Neste momento, está a ser instalado no país um sistema de comunicações de padrão 5G [com apoio de parceiros chineses]. O Porto de Tibar foi construído por uma companhia chinesa, a China Harbour Engineering Company. A China Nuclear Industry 22nd Construction Co. Ltd. construiu duas estações termoeléctricas em Timor-Leste. A China tem sido crucial no apoio ao desenvolvimento de infra-estruturas no país.
Em Fevereiro, foi inaugurada a primeira rota aérea directa entre a China e Timor-Leste, a que se seguiu uma rota marítima de carga. Qual a importância destas ligações no âmbito das relações comerciais bilaterais?
Em primeiro lugar, Timor-Leste tem de diversificar a sua conectividade. O país está muito dependente da saída por Bali [na Indonésia] e também por Singapura, e os voos são muito irregulares. Vamos supor que há algum desastre natural em Bali, como já ocorreu no passado – uma erupção de um vulcão ou chuvas torrenciais, como ainda há dois anos: os voos são cancelados. Ou seja, estamos vulneráveis ao estar dependentes de uma só saída. A rota com Xiamen liga-nos a um dos aeroportos mais movimentados do mundo, um dos maiores “hubs” aéreos internacionais. Isso ajudará muito Timor-Leste.
O turismo chinês é cada vez mais importante para as economias de muitos países, sobretudo na Ásia. A maioria dos turistas na Tailândia, no Vietname, são da China. Se Timor-Leste puder atrair uma pequena percentagem do turismo chinês, isso irá contribuir imenso para diversificar a nossa economia e criar muitos postos de trabalho.
Quanto à ligação marítima directa com a China, também facilitará muito a importação de vários produtos e poderá contribuir bastante para ajudar o nosso empresariado nacional – os empresários timorenses e também os empresários estrangeiros baseados em Timor-Leste –, eventualmente levando a uma redução de custos para o consumidor. Essa ligação marítima é extremamente importante.
No ano passado, o Presidente de Timor-Leste visitou a China e foi recebido pelo seu homólogo chinês, Xi Jinping. Qual a importância deste encontro para cimentar a relação bilateral?
Foi de importância bastante elevada para Timor-Leste. Foi a primeira visita de um Chefe de Estado de Timor-Leste, enquanto país independente, à China. Foi a maior delegação alguma vez enviada numa visita oficial.
À margem dessa deslocação, em colaboração entre a embaixada e o gabinete do Vice-Primeiro-Ministro e Ministro Coordenador dos Assuntos Económicos, Francisco Kalbuadi Lay, organizámos um fórum empresarial, em que participaram mais de 350 empresas chinesas. Muitas delas, desde então, já abriram escritórios em Timor-Leste e começaram a investir no país. Como referido, a grande prioridade durante essa visita foi o pedido que o Presidente Ramos-Horta fez ligado às áreas da agricultura, turismo e infra-estruturas.
Como avalia o papel do Fórum de Macau no âmbito da cooperação entre Timor-Leste e a China?
O Fórum de Macau tem-nos ajudado muito em termos de estabelecer redes, estabelecer contactos com o empresariado em Macau e também no Interior da China, mas igualmente no âmbito dos vários Países de Língua Portuguesa. Tem sido um fórum que tem facilitado muito a troca de ideias e de investimentos. Tem sido uma plataforma extremamente útil.
Eu participei pela primeira vez numa reunião do Fórum de Macau ainda em 2010, há 15 anos, na altura como académico. E, em 2006, publiquei um dos primeiros artigos académicos, se não o primeiro, sobre o Fórum de Macau e a sua importância, na YaleGlobal [ligada à conceituada Universidade de Yale, nos Estados Unidos]. O artigo chamava-se “China’s Portuguese Connection”. Sempre considerei o Fórum de Macau uma plataforma extremamente útil e importante para a promoção das trocas entre a China e os Países de Língua Portuguesa – não só trocas comerciais, mas também no que toca às áreas da educação, da cultura, do desporto, da tecnologia, do ambiente, etc.
No seguimento da aprovação, na 6.ª Conferência Ministerial do Fórum de Macau, do Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial (2024-2027), que perspectivas se abrem para Timor-Leste?
Timor-Leste está muito interessado em colaborar com a China em áreas como o turismo, as infra-estruturas e, sobretudo, a agricultura, mas também nas pescas. Macau também tem ajudado muito Timor-Leste ao longo dos anos, fundamentalmente na área da justiça, mas igualmente na área da educação, com vários jovens timorenses a estudar em Macau. Tem havido muita colaboração no sector da polícia, da lei e ordem e no sector académico.
Macau poderá também contribuir bastante para o sector do turismo em Timor-Leste. Neste momento, está-se à espera de um grande investimento de empresários de Macau naquilo que se vai chamar um resort integrado, em Tibar. O Fórum de Macau tem sido bastante útil por nos ter permitido criar várias redes, conseguir vários contactos. Tem facilitado muito a nossa procura por investimento.
Como é que Timor-Leste pode tirar partido das potencialidades do Fórum de Macau para aprofundar as relações bilaterais com a China?
Timor-Leste já está a tirar partido do potencial que oferece o Fórum de Macau. Graças a vários contactos que tivemos através do Fórum de Macau, várias empresas da China ficaram a conhecer Timor-Leste e a saber das oportunidades que o país oferece. Muitos contactos foram feitos e vão continuar a ser feitos não só com empresários chineses, incluindo de Macau, mas também de outros Países de Língua Portuguesa. Portanto, Timor-Leste tem tirado e vai continuar a tirar bastantes benefícios da sua participação no Fórum de Macau.